A mentira-verdade do ator: o ofício do ator na Lettre à dAlembert sur les spectacles, de Jean-Jacques Rousseau
AUTOR(ES)
Helderson Mariani Pires
FONTE
IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
DATA DE PUBLICAÇÃO
18/10/2011
RESUMO
No Iluminismo Francês, o teatro era um dos principais temas discutidos entre seus pensadores os chamados philosophes, que expressavam de forma acirrada suas ideias sobre o fenômeno da representação teatral e sua possível eficácia pedagógica, bem como acerca de suas implicações sociais e políticas na França do século XVIII. Jean-Jacques Rousseau dramaturgo, músico, poeta, romancista, enfim: um philosophe encontrava, na sua visão sobre o teatro, a metáfora do dilaceramento humano, que se deu na passagem do homem do estado de natureza para aquele da vida em sociedade. O conflito entre o ser e o parecer, tanto quanto o duelo travado entre o amor-de-si, presente no homem natural, e o amor-próprio, que artificializa o homem social, são questões fundamentais para a compreensão do philosophe genebrino. Ainda que este tema percorra toda a sua obra, é na Lettre à dAlembert sur les spectacles que Rousseau se dedica exclusivamente a realizar sua crítica a respeito dos espetáculos. Além disso, o texto traz também uma definição sobre o talento e o ofício do comédien que é igualmente válida para o acteur, isto é, o artista da cena de modo geral, seja ele um cantor da Ópera Royal de Paris ou um ator trágico da Comédie Française. Assim, esta pesquisa optou pela adoção do termo ator, na medida em que ele proporciona a vantagem de atualizar para os nossos dias tanto o comédien quanto o acteur do contexto francês da época. Publicada em 1758, a Lettre constituía resposta a dAlembert, que, em seu verbete Genève, da Encyclopédie, fazia uma defesa do teatro e de seus atores, então vistos como socialmente inferiores e desprovidos de direitos políticos e religiosos. Por esta razão, o filósofo propunha a montagem de uma companhia de teatro em Genebra, de modo a auxiliar na educação do gosto dos cidadãos genebrinos, ideia que será recusada forte e radicalmente por Rousseau. Na Lettre, é abordada de forma direta a relação entre os espetáculos, a representação do ator e a corrupção do homem na sociedade, na qual torna a se fazer presente o conflito supracitado entre o ser e o parecer. Tal oposição é focalizada no âmbito dos espetáculos parisienses, concebidos como sinais de uma sociedade afeita a aparências e futilidades que tornavam o homem cada vez mais artificial e, portanto, distanciado de sua essência e das virtudes necessárias para a formação do digno cidadão. 5 A obra oferece ainda uma sintética definição acerca do talento do comediante e sua arte de imitar, isto é, de adotar um caráter diferente daquele que se tem. Assim, o ofício do ator constitui a simulação, a clara expressão do conflito entre o ser e o parecer, uma vez que vive de sua capacidade de enganar, de seduzir a platéia, parecendo ser o que não é, se dando como espetáculo em troca de dinheiro. Rousseau, portanto, critica os hábitos luxuosos e a moral do ator, principalmente porque este pode servir-se daqueles artifícios para corromper a juventude. Para o autor da Lettre, o intérprete, em razão de sua capacidade de trocar de personagens no jogo cênico, torna-se uma metáfora da condição paradoxal do homem, que se distanciou da natureza e criou o espetáculo da cultura. A paixão que Rousseau tinha pelo teatro não o impediu de criticá-lo de modo tão implacável, pois nele enxergava não apenas um tipo específico de representação artística, como também a representação da condição do dilaceramento humano. Fazia-se necessário, pois, um novo teatro, com novos atores capazes e verdadeiros no seu ofício de mentir. Eis a crítica da representação que percorreu a Lettre à dAlembert e que fez do teatro um paradigma essencial do pensamento de seu autor. Há de se notar, por fim, que o ofício do ator pode ganhar eficácia cênica a partir da crítica processada por Rousseau naquela obra. As festas que ele oferece em substituição aos espetáculos franceses têm como centro a figura do cidadão ator e espectador de si mesmo. O personagem o outro que o ator representa, muitas vezes enquanto mera projeção de si mesmo deve ganhar verdade para que o teatro ganhe força. Esse novo ator, com sua faculdade de iludir a partir de sua verdade cênica, está relacionado com o philosophe e o artista que foi Rousseau. Isto porque buscou, obsessivamente, na prática de seu pensamento a coerência deste, fazendo de sua vida o palco de sua imaginação inflamada
ASSUNTO(S)
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