Identidade cirúrgica: o melhor interesse da criança intersexo portadora de genitália ambígua. Uma perspectiva bioética

AUTOR(ES)
FONTE

Repositório Institucional da FIOCRUZ (ARCA)

DATA DE PUBLICAÇÃO

2014

RESUMO

Sob a perspectiva da bioética da proteção esta tese tem como objetivo investigar se as cirurgias genitais realizadas em crianças recém-nascidas diagnosticadas como intersexo, portadoras da chamada “genitália ambígua” – uma das “anomalias da diferenciação sexual” (ADS) -, atendem, de fato, a seu melhor interesse. De acordo com a crença médica, é necessário normalizar e ajustar a anatomia do neonato ao padrão morfológico condizente com o sexo que for “descoberto” pela equipe multidisciplinar, na medida em que é a sua atipicidade anatômica o que dificultaria a pronta afirmação de seu sexo. Em geral, a equipe médica recomenda a imediata realização desses procedimentos por acreditar que o bemestar psicossexual da criança não será alcançado se houver incongruência entre o fenótipo de sua genitália e a identidade de gênero correspondente que, espera-se, desenvolverá. Dada a incapacidade cognitiva do neonato, cabe a seus responsáveis consentirem pela realização dessas cirurgias irreversíveis. O caso John/Joan, conduzido pelo psicólogo John Money desde 1967, é aqui examinado. Sua utilização para testar a teoria da “plasticidade de gênero” que Money e equipe vinham desenvolvendo desde a década de 1950, acabou por transformá-la no paradigma para os casos de mutilação genital e anomalias congênitas em crianças em boa parte do planeta. Contudo, nos Estados Unidos da América, a partir da segunda metade da década de 1990, pessoas adultas que haviam sido submetidas a essas mesmas intervenções em sua infância e adolescência começaram a relatar seu sofrimento psicossexual, o qual, supostamente, seria atribuído às tais cirurgias genitais nelas realizadas. Embora controversa a própria conceituação do que são as ADS e, no tocante à genitália ambígua, inexista consenso entre pesquisadores e entidades médicas quanto aos benefícios que justificariam a realização de intervenções para ajustar sua anatomia, algumas entidades médicas continuam a preconizá-las. Diferentes estudiosos alegam que os estudos apresentados para justificar a sua recomendação são questionáveis quanto à metodologia e análise dos resultados. No Brasil, a Resolução nº 1664 (R1664) de 2003, emitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) – órgão supervisor da ética profissional e, ao mesmo tempo, julgador e disciplinador da classe médica - considera que a genitália ambígua em crianças diagnosticadas como intersexo constitui uma “urgência biológica e social” e recomenda “uma conduta de investigação precoce com vistas a uma definição adequada do gênero e tratamento em tempo hábil”. Nesta tese, a R1664 representa o seu principal objeto de estudo. O processo de elaboração e edição de tal documento é minuciosamente investigado, na medida em que o mesmo reitera a posição pró-intervenção do CFM, não obstante Recomendação do (PróVida), órgão do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A Recomendação, com base nos processos que foram instaurados no Pró-Vida por pais de crianças intersexo que se insurgem contra a alegada beneficência das cirurgias genitais, questiona a sua recomendação e realização, e coloca em xeque a justificativa de que as mesmas atenderiam ao melhor interesse da criança. O referido documento reúne, de maneira bastante clara e objetiva, as principais questões trazidas ao debate nas duas últimas décadas pela comunidade científica internacional e, também, o movimento de pessoas intersexo. Desde então, a comunidade médico-científica nacional permanece silente quanto às controvérsias que, no âmbito científico, cercam a recomendação das cirurgias genitais. Não foram localizados trabalhos acadêmicos que, no Brasil, questionem a legitimidade da R1664, da forma como se propõe esta tese. Examinase a R1664 à luz da bioética principialista - sobretudo quanto à beneficência, nãomaleficência e autonomia dos afetados. A perspectiva adotada nesta tese é que, à luz da bioética laica, não são justificáveis as intervenções médico-cirúrgicas irreversíveis em genitálias ambíguas de crianças diagnosticadas como intersexo quando não houver risco de graves danos à sua saúde ou risco de vida.

ASSUNTO(S)

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